Barba
- pedrocardosoleao
- 20 de out.
- 2 min de leitura
Atualizado: 21 de nov.
Durante o mestrado, quando comecei a abordar assuntos de masculinidades, passei por uma fase de negação da minha própria. Debrucei-me pesadamente sobre as falhas de identificação com tudo aquilo que tradicionalmente definia um homem. Por alguns meses, procurei em vão a androginia, raspando barba e cabelo e experimentando o que vestir e como me maquiar. Digo em vão porque eu já estava com trinta anos e as marcas de um corpo formado para ser masculino eram difíceis de dissimular. Eu podia ser um pouco menos masculino, mas dificilmente anularia essa condição. Apesar dessas limitações, foi uma época gostosa de ambiguidade, fluidez e incerteza. De poder ser menos masculino, mas nem por isso ser homossexual. De causar muitas perguntas nas mentes de muita gente.
Mas essa fase passou e, já no final do meu mestrado, eu estava cultivando a barba novamente e admitindo para mim mesmo que a androginia não era meu caminho, nem estética e nem filosoficamente.
Depois dessa fase de negação calcada em negar toda a masculinidade na qual eu não me encaixava, eu comecei a procurar cultivar a masculinidade que me interessava. E foi aí que, entre outras coisas, eu passei a ter um interesse por rituais masculinos. Entre eles, o barbear. Em Londres era possível comprar máquinas de barbear baratas e de qualidade nas farmácias populares. A primeira que comprei duraria mais de dez anos. Mas o que realmente me seduziu foram as navalhas. Certo de que eu jamais teria o tempo e dedicação para uma navalha de verdade, escolhi um navalhete com lâminas descartáveis e passei a praticar esse ritual duas vezes por semana. De início, o rosto resultava todo machucado. Mas a prática do gesto firme e da leveza adequada me levaram a dominar o ritual em pouco tempo. E os produtos! Quantos aromas diferentes de cremes, bálsamos, loções e óleos! Um universo novo de vaidades que eram apenas masculinas.
Anos depois, fazendo a barba em preparação para uma das festas de fetiche paulistas (outro hábito que eu pegara em Londres...), me olhei no espelho e percebi as unhas recém-pintadas como parte do meu traje para a noite. De repente, parei a navalha. Lá estava a androginia acenando para mim novamente. Não como o caminho e a verdade absoluta, mas como um tempero poético nesse ritual.
À época, eu estava querendo uma folga do ativismo de gênero hardcore. Estava me achando chato, panfletário. Então comecei a abrir espaço para imagens como esta. Imagens que não tentavam impor e afirmar o que era um homem e nem apontar o dedo acusatório para injustiças vivenciadas ou perpetradas por homens. Imagens que existiam apenas pra ter graça. Como os pedaços de cotidiano de um Malcolm Liepke, por exemplo. Pinturas menos pretensiosas e que talvez alguém algum dia gostaria de adquirir para pendurar na sua parede.

Barba
Outubro 2025
Óleo sobre papel artesanal e gesso em painel de MDF e moldura plástica
27,5 x 19 cm






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